INTRODUÇÃO
O córtex da glândula supra-renal humana pode ser afetado por processos neoplásicos benignos ou malignos. Estes tumores podem se desenvolver em ambos os sexos e em qualquer faixa etária. A grande parte dos tumores adrenocorticais, no entanto, é pequena e de comportamento benigno. Em contraposição, os tumores adrenocorticais malignos ou carcinomas adrenocorticais são raros, agressivos e com prognóstico desfavorável.
A incidência dos carcinomas adrenocorticais é estimada em 1 a 2 casos por 1 milhão de habitantes por ano, resultando em 0,2% das mortes por câncer nos Estados Unidos1(B). Contudo, uma elevada incidência dos tumores adrenocorticais afetando crianças e adultos tem sido observada nas regiões sul e sudeste do Brasil. A incidência estimada dos tumores adrenocorticais, em crianças brasileiras provenientes da região sul, é 10 a 15 vezes maior que a incidência mundial2(C).
Numa revisão das características clínicas e história natural de 47 pacientes brasileiros, incluindo crianças e adultos, portadores de tumores adrenocorticais durante um período de 17 anos3(B), mostrou que a idade de aparecimento dos tumores adrenocorticais influenciou o prognóstico, uma vez que crianças com carcinoma adrenocortical não metastático apresentaram melhor prognóstico após completa ressecção tumoral, quando comparadas a adultos com o mesmo padrão histológico, submetidos ao mesmo procedimento terapêutico3(B)4(C). Estes achados foram confirmados pela avaliação dos parâmetros histológicos dos tumores adrenocorticais de 83 crianças americanas5(B). Neste estudo, apenas 31% dos tumores adrenais histologicamente malignos tiveram comportamento maligno de acordo com a evolução clínica.
CLASSIFICAÇÃO
As neoplasias adrenocorticais são usualmente classificadas como benignas ou malignas, funcionantes ou não funcionantes, esporádicas ou hereditárias. O achado incidental de massas adrenais durante exames de imagem, tais como ultra-sonografia, tomografia computadorizada ou ressonância magnética da região abdominal, realizados por diferentes propósitos, tem aumentado a incidência e prevalência dos tumores adrenocorticais. A prevalência de massas adrenais reconhecidas incidentalmente varia de 0,6% a 2%, com maior predomínio em adultos com mais de 50 anos6(B).
O carcinoma adrenocortical pode ocorrer em todas as idades, da primeira infância à sétima e oitava décadas da vida7,8(B). Uma distribuição bimodal tem sido demonstrada com um primeiro pico de incidência antes dos 5 anos de idade, e um segundo pico na quarta e quinta décadas7(B). Um claro predomínio do sexo feminino tem sido frequentemente observado nas grandes séries, perfazendo 65% a 90% dos casos publicados.
Bilateralidade dos tumores foi documentada em 2% a 10% dos casos8(B).
APRESENTAÇÃO CLÍNICA
Pacientes com tumores adrenocorticais funcionantes (aproximadamente 60%) apresentam síndromes endócrinas, que resultam da secreção de cortisol e seus precursores, andrógenos adrenais e seus precursores ou raramente estrógenos ou mineralocorticóides8(B). A síndrome mais comumente associada aos tumores adrenocorticais é a síndrome de Cushing, presente em 30% a 40% dos pacientes com carcinomas adrenocorticais9(B).
A virilização ocorre em 20% a 30% dos adultos com tumores adrenocorticais funcionantes, sendo a mais prevalente síndrome hormonal em crianças afetadas por esta condição tumoral (72%)2,4(C). A virilização é secundária à hipersecreção dos andrógenos adrenais, incluindo dehidroepiandrosterona (DHEA), e seu derivado sulfatado (DHEAS), testosterona e androstenediona4(C). Os sinais e sintomas em mulheres adultas com quadro de virilização incluem: oligomenorréia, hirsutismo, acne, aumento da massa muscular, calvície temporal, aumento do libido e clitoromegalia7(B). Em crianças do sexo feminino, ocorre puberdade precoce heterosexual2,4(C).
A combinação da síndrome de Cushing e virilização tem sido observada em 10% a 30% dos pacientes8(B). Tumores secretores de estrógeno no sexo masculino determinam ginecomastia e atrofia testicular7(B). Outras apresentações clínicas incomuns dos tumores adrenocorticais incluem: hipoglicemia, resistência à insulina não relacionada à secreção de glicocorticóides, policitemia8 (B). Os tumores adrenocorticais não funcionantes caracterizam-se pelo achado de dor e/ou massa abdominal9(B).
Aproximadamente 50% dos pacientes com carcinomas adrenocorticais não funcionantes apresentam massa abdominal palpável no momento do diagnóstico. Finalmente, a doença metastática pode causar sinais e sintomas antes do diagnóstico do tumor primário adrenal em uma proporção significante de pacientes7(B). Invasão tumoral local afeta comumente rins e veia cava inferior, enquanto que a doença metastática afeta os linfonodos retroperitoneais, pulmões, fígado e ossos8(B).
ESTUDOS LABORATORIAIS
As dosagens hormonais são úteis no estabelecimento ou confirmação da secreção excessiva de esteróides adrenais e na monitorização dos pacientes com neoplasias adrenocorticais após ressecção cirúrgica. As medidas da excreção do cortisol urinário livre de 24 horas e/ou da concentração de cortisol plasmático após supressão com 1 mg de dexametasona são recomendadas como exames iniciais na suspeita de hipercortisolismo7(B).
Vários esteróides séricos e urinários estão elevados em pacientes com síndrome de Cushing causada por tumores adrenocorticais funcionantes, como DHEA, DHEAS, androstenediona, 17-hidroxiprogesterona, testosterona e 11-deoxicortisol no plasma, e 17-hidroxiesteróides e 17-cetoesteróides na urina. Embora os precursores esteróides, como o 11-deoxicortisol, não sejam essenciais para a avaliação do hipercortisolismo, eles podem indicar mau prognóstico nos tumores adrenais associados com síndrome de Cushing. Algumas enzimas envolvidas na biosíntese dos esteróides adrenais estão deficientes nos carcinomas adrenocorticais, gerando padrões plasmáticos elevados de precursores hormonais típicos dos bloqueios enzimáticos4(C).
Níveis plasmáticos suprimidos do hormônio adrenocorticotrófico associados a concentrações plasmáticas elevadas de cortisol indicam atividade adrenal autônoma. Diversos testes dinâmicos endócrinos podem contribuir para o diagnóstico diferencial da síndrome de Cushing, causada por neoplasias funcionantes adrenocorticais das formas de síndrome de Cushing ACTH-dependentes.
MÉTODOS DE IMAGEM
O diagnóstico da neoplasia adrenocortical depende da identificação de massa adrenal por meio da ultra-sonografia, tomografia computadorizada (TC) e/ou ressonância magnética (RM). A ultra-sonografia abdominal, embora seja um método operador-dependente, tem sido efetiva na identificação de massas adrenais, particularmente em crianças e em pacientes magros. As supra-renais normais e tumorais são facilmente visíveis na TC, devido à abundância de tecido adiposo que envolve estas glândulas no retroperitôneo9(B).
O carcinoma adreno-cortical se manifesta inicialmente à TC, por intermédio de uma massa grande (90% das lesões maior que 6 cm)7(B).Embora de fácil detecção, às vezes, estas massas, por serem de grande tamanho e deslocarem estruturas vizinhas, podem ter a determinação de sua origem dificultada.Quando grandes, estas massas apresentam-se com margens irregulares e textura heterogênea.Os componentes sólidos da lesão impregnam-se fortemente por contraste8(B). Cerca de 25% a 30% dos carcinomas adrenais são calcificados.Cerca de 15% dos carcinomas, todavia, são menores que 6 cm e quando homogêneos podem ser indistinguíveis de um adenoma.
A TC fornece informações sobre as dimensões, homogeneidade, presença de calcificações, áreas de necrose e a extensão da invasão local, sendo portanto de grande valor na decisão de ressecabilidade da lesão adrenal. Tumores tão pequenos como 0,5 cm têm sido detectados pela TC, embora a ausência relativa de gordura retroperitoneal nas crianças possa reduzir a sensibilidade deste exame neste grupo etário. A RM é igualmente efetiva e pode fornecer melhores informações sobre a invasão do carcinoma adrenocortical em vasos sanguíneos, particularmente nas veias adrenal, renal e cava inferior, onde trombos tumorais podem ser identificados7,9(B).
Os carcinomas adreno-corticais se manifestam à RM como massas com sinal relativamente hipointenso em relação ao fígado nas imagens ponderadas em T1 e sinal hiperintenso nas imagens ponderadas em T2. Presença de necrose central,nódulos periféricos impregnáveis por contraste e hemorragia interna são achados comuns à RM. Pequenos carcinomas, menores que 5 cm e homogêneos, podem ser indistinguíveis do adenoma adrenal. Para esta diferenciação, utiliza-se a técnica de “chemicalshift”, na qual se obtêm imagens com os prótons da água e da gordura “em fase” e “fora de fase”. Os adenomas, por conterem alto teor de lípídeos intracelulares, apresentam queda de sinal nas imagens em que estes prótons estejam “fora de fase” em relação às imagens com os prótons “em fase”.
Casos raros de carcinomaa drenocortical com focos de gordura têm sido descritos. A RM tem melhor resolução de contraste que a TC para caracterizar se uma grande lesão retroperitoneal é de origem adrenal ou não. Por ter melhor resolução, inclusive na demonstração da invasão vascular, a RM é recomendada para um adequado estadiamento pré-operatório das lesões tumorais adrenais. Outras modalidades de imagens, tais como, mapeamento com iodo-colesterol, venografia e arteriografia, são raramente indicadas.
PATOLOGIA
Histologicamente, os tumores adrenocorticais são caracterizados por células depletadas de lípides com citoplasma granular e grandes núcleos e nucléolos. A diferenciação das neoplasias adrenocorticais benignas e malignas por meio dos achados histológicos tem sido proposta10(B). Entretanto, diversos relatos foram apresentados em que pacientes cujos tumores exibiram características histológicas de benignidade, subsequentemente, desenvolveram recorrência ou metastáses. Em contraste, outros pacientes com tumores histologicamente malignos evoluíram livres da doença tumoral por muitos anos5(B).
Vários critérios macroscópicos e microscópicos são conjuntamente usados para definir a malignidade de um tumor adrenocortical e predizer desta forma seu comportamento biológico5(B). Macroscopicamente, peso superior a 500 g, superfície grosseira e lobulada, presença de áreas de necrose, calcificações e
hemorragias intratumorais sugerem malignidade10(B). Microscopicamente, o desarranjo da arquitetura celular, frequentes mitoses, marcante pleomorfismo celular, atipia nuclear e hipercromasia, assim como invasão de cápsula, sugerem malignidade. A classificação histológica e os fatores prognósticos dos tumores adrenocorticais no grupo pediátrico difere dos adultos. As características histológicas associadas à evolução maligna no grupo pediátrico são: peso tumoral (> 400g), tamanho tumoral (10 cm), invasão de veia cava, invasão capsular e/ou vascular, extensão para tecidos peri-adrenais, necrose confluente, importante atipia nuclear e presença de mitoses atípicas5(B).
ESTADIAMENTO
O estadiamento dos carcinomas adrenocorticais leva em conta o tamanho do tumor, envolvimento de linfonodos, invasão de órgãos adjacentes e a presença de metástases (Tabela 1). O estadiamento é útil na definição do prognóstico e da terapêutica. Somente pacientes com estadiamento I e II são curáveis com cirurgia. Apesar da completa ressecção cirúrgica, aproximadamente 100% dos pacientes com estadiamento III têm recorrência e doença metastática dentro dos primeiros 5 anos após a cirurgia. A sobrevida de 5 anos dos pacientes com estadiamento III é geralmente menor do que 30%. Os sítios mais freqüentes de metástases são os gânglios linfáticos (25% a 46%), pulmões (47% a 97%), fígado (53% a 68%) e ossos (11% a 33%). Sistema de MacFarlane modificado por Sullivan:
T1: tumor < 5cm
T2: tumor > 5cm
T3: invasão local
T4: invasão de órgãos adjacentes
N1: linfonodos positivos
N2: metástases à distância
*** O tamanho tumoral na ocasião do diagnóstico (> 10 cm) é o mais importante indicador de malignidade9(B). O estudo comparativo dos dados clínicos, hormonais e anatomopatológicos de pacientes brasileiros com neoplasias adrenocorticais funcionantes evidenciou que as apresentações clínicas mistas estão relacionadas a um pior prognóstico4( C).
TRATAMENTO
A ressecção cirúrgica completa é a única terapêutica que pode curar ou prolongar a sobrevida de forma significante, particularmente, se a doença é detectada nos estadios I e II11(B). A cirurgia deve ser realizada por cirurgião experiente, sendo a abordagem transabdominal ou tóraco-abdominal recomendada para os tumores suspeitos de malignidade. Carcinomas aderentes ou invasivos a estruturas adjacentes requerem excisão em bloco de rim, baço, hepatectomia ou pancreatectomia parcial. Linfadenectomia deve também ser incluída.
A presença de trombose de veia cava inferior ou veia renal requer a aplicação da técnica de bypass cardíaco. Os pacientes aparentemente curados com a cirurgia requerem acompanhamento contínuo. A reoperação deve ser considerada em recorrência local e nas metástases isoladas. A ressecção laparoscópica deve ser restrita aos tumores adrenocorticais pequenos e potencialmente benignos, devido ao risco de violação da cápsula, fragmentação tumoral e dificuldades técnicas, visando uma ressecção completa tumoral com margens livres9(B).
O mitotane tem sido extensivamente usado em pacientes com carcinoma adrenocortical estadios III e IV, contudo, esta droga mostrou-se ineficiente em prolongar a sobrevida destes pacientes12,13(B). A monitorização da concentração desta droga (14-20 mg/L) é necessária para obtenção de tratamento efetivo9(B). Efeitos adversos gastrointestinais, incluindo anorexia, náusea, diarréia, ocorrem na maioria dos pacientes. Fraqueza, sonolência, confusão, letargia, e cefaléia são descritos em 50% dos pacientes tratados.
Neurotoxicidade mais grave, tais como ataxia e disartria, também pode ocorrer. Quadro cutâneo, ginecomastia, retinopatia e cistite intersticial ocorrem raramente. Outros regimes alternativos de quimioterapia têm sido usados no tratamento do carcinoma adrenocortical metastático, incluindo cisplatina, etoposide, 5-fluoracil, doxorubicin, vincristina, gossipol, suramin, e melphalan, com resultados insatisfatórios. No entanto, estudos prospectivos multicêntricos envolvendo grandes casuísticas comparando diferentes tratamentos serão fundamentais para o progresso sistemático do manejo dos tumores adrenocorticais malignos.
Fonte Bibliográfica:
– Projeto Diretrizes da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Colégio Brasileiro de Radiologia – junho de 2006